João Pernambuco: 140 anos e ainda inédito

Hoje – dia 02/11/2023 – comemoramos os 140 anos do nascimento de João Teixeira Guimarães, uma das mais importantes figuras da história da música brasileira.

Hoje também, para coroar tal data, trago uma novidade.

Esquecido e desconhecido pela grande maioria dos brasileiros, ainda resiste apenas na mente de músicos, pesquisadores e colecionadores.

João Pernambuco nasceu em Jatobá, sertão de Pernambuco e, em poucas palavras, foi o virtuose do violão brasileiro.

Um autodidata que aos 12 anos de idade dominou o instrumento que o acompanharia pelo resto de sua vida.

Teve como influência os cantadores Inácio da Catingueira e Mané do Riachão, e os instrumentistas Manuel Cabeceira e Cirino da Guajurema, esse último tão importante para João que adotou João Guajurema como seu primeiro nome artístico.

Semianalfabeto e de instrução rudimentar, João sempre exerceu trabalhos braçais para depois ser promovido a contínuo por influência direta de Villa-Lobos, que dizia que não fazia sentido tão talentosas mãos estarem constantemente em risco.

Em 1912 criaria o Grupo do Caxangá, embrião do que viria a ser o renomado Os Oito Batutas, antes da influência estrangeira e transformação de estilo do grupo.

Compôs importante repertório de influência nordestina, considerado o início das gravações tidas como verdadeiramente sertanejas.

Criador de marcos na música brasileira como “Luar do Sertão” e “Cabocla de Caxangá”, teve por décadas as suas autorias usurpadas por Catullo da Paixão Cearense que anos depois confessou que as músicas eram de João e ele apenas adaptara seus poemas a elas.

O próprio Pixinguinha confirmou o fato de que ouvira ambas as músicas pelas mãos de João antes delas possuírem letras.

João faleceu em 16/10/1947 aqui no Rio de Janeiro, cidade que adotara como sua desde 1902.

Aqui narrei a vida de João de forma bem resumida para irmos logo ao foco principal do artigo.

Deparei-me faz alguns meses com uma pilha de discos danificados que seriam vendidos por peso ou – caso não vendidos – seriam jogados na caçamba de lixo.

Resgatei na ocasião discos interessantes, outros importantes, mas nem em meus mais remotos sonhos esperaria encontrar uma gravação inédita de João Pernambuco.

Trata-se de um teste de prensagem – possivelmente descartado – do início da produção da fábrica Odeon implantada na Tijuca, aqui no Rio de Janeiro.

João gravou em uma sessão de gravação, mais exatamente em 18/12/1912, quatro músicas: “Grupo do Abacate”, “Saudoso”, “Batuque Sertanejo” e “Júlia Martins”.

Curiosamente, apenas um desses discos, com o fonograma “Grupo do Abacate”, constava como existente na coleção Leon Barg e com selo normal de produção.

Nenhuma das outras gravações jamais apareceu até o surgimento desse teste de prensagem e possivelmente por um motivo comum à época: Variação na rotação durante a gravação.

A partir da metade do fonograma percebe-se a música progressivamente mais lenta, o que significa que no momento da gravação a cera foi girando progressivamente mais veloz.

Como nenhuma destas gravações jamais apareceu em quase 111 anos, presumo que todas foram descartadas, não passando da etapa de testes de prensagem.

Mas essa escapou: Trata-se da música “Júlia Martins” – matriz 120446 – em homenagem à popular atriz e cantora da época, figura ativa no meio cultural do Rio de Janeiro no início do século passado e possivelmente admirada (ou até amada) por João Pernambuco.

O disco está em processo de limpeza e de estabilização do trinco que selou o seu destino: o lixo.

Após décadas de imprudentes audições em máquinas falantes com agulhas de metal e braços pesados, cada reprodução removia micro pedaços do disco que eram arrancados em forma de pó – pedaços de informações sonoras – e o mesmo pó acaba sedimentando nos sulcos formando mais uma camada de ruído.

Fora a negligência e descuido que perduraram por mais de um século até ser resgatado por mim, coberto de pó, detritos e prensado dentre outros discos em igual situação.

Assim que todo o processo estiver finalizado teremos um fonograma inédito de João Pernambuco, quase 111 anos depois de sua gravação e 140 anos depois de seu nascimento.

João – esteja onde estiver – encare isso como um presente meu.

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